terça-feira, 9 de dezembro de 2008

ASSIM FALAVA ZARATUSTRA, NIETZSCHE


IX
Zaratustra dormiu muito tempo e por ele passou não só a aurora mas toda a manhã. Por fim abriu os olhos, e olhou admirado no meio do bosque e do silêncio; admirado olhou para dentro de si mesmo. Ergueu-se precipitado, como navegante que de súbito avista terra, e soltou um grito de alegria porque vira uma verdade nova. E falou deste modo ao seu coração:

“Um raio de luz me atravessa a alma: preciso de companheiros, mas vivos, e não de companheiros mortos e cadáveres, que levo para onde quero.

Preciso de companheiros, mas vivos, que me sigam — porque desejem seguir-se a si mesmos — para onde quer que eu vá.

Um raio de luz me atravessa a alma: não é à multidão que Zaratustra deve falar, mas a companheiros! Zaratustra não deve ser pastor e cão de um rebanho!

Para apartar muitos do rebanho, foi para isso que vim. O povo e o rebanho irritam-se comigo. Zaratustra quer ser acoimado de ladrão pelos pastores.

Eu digo pastores, mas eles a si mesmos se chamam os fiéis da verdadeira crença!

Vede os bons e os justos! a quem odeiam mais? A quem lhes despedaça as tábuas de valores, ao infrator, ao destruidor. É este, porém, o criador.

O criador procura companheiros, não procura cadáveres, rebanhos, nem crentes; procura colaboradores que inscrevam valores novos ou tábuas novas.

O criador procura companheiros para seguir com ele; porque tudo está maduro para a ceifa. Faltam-lhe, porém, as cem foices, e por isso arranca espigas, contrariado.

Companheiros que saibam afiar as suas foices, eis o que procura o criador. Chamar-lhes-ão destruidores e desprezadores do bem e do mal, mas eles hão de ceifar e descansar.

Colaboradores que ceifem e descansem com ele, eis o que busca Zaratustra. Que se importa ele com rebanhos, pastores e cadáveres?

E tu, primeiro companheiro meu, descansa em paz! Enterrei-te bem, na tua árvore oca, deixo-te bem defendido dos lobos.

Separo-me, porém, de ti; já passou o tempo. Entre duas auroras me iluminou uma nova verdade.

Não devo ser pastor nem coveiro. Nunca mais tornarei a falar ao povo; pela última vez falei com um morto.

Quero unir-me aos criadores, aos que colhem e se divertem; mostrar-lhes-ei o arco-iris e todas as escadas que levam ao Super-homem.

Entoarei o meu cântico aos solitários e aos que se encontram juntos na solidão; e a quem quer que tenha ouvidos para as coisas inauditas confranger-lhe-ei o coração com a minha ventura.

Caminho para o meu fim; sigo o meu caminho; saltarei por cima dos negligentes e dos retardados. Desta maneira será a minha marcha o seu fim!”

1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

No fundo tu e o Zartatustra do Nietsche acabam por ir ao encontro do que eu disse no post anterior...


CSD