quinta-feira, 30 de outubro de 2008

AEDO


O aedo chegou à cidade e proclamou:
-Ouvi, ó multidão! Deixastes-vos levar pelos profetas da morte! Sois os seus escravos! Fechai-vos em grupos, temeis o homem livre. Entretei-vos a intrujar o vosso semelhante, a passar por cima do vosso semelhante, a ir atrás do estatuto, do lucro, do sucesso! As vossas festas têm o sabor da morte, celebrais o dinheiro, o mercado, a opulência, não conheceis a diversão pura, não conheceis Dionisos que bebe sem pagar!
Uma voz na multidão:
- Quem és tu que te dizes juíz e profeta? Com que direito exibes a tua superioridade moral?
Aedo:
- Dizem que ando por cá há séculos, que de tempos a tempos desço à cidade para me dirigir à multidão. Habitualmente fico na montanha junto dos animais. Não venho pregar qualquer moral, só vos digo que estão de volta os tempos de Dionisos.
Uma voz na multidão:
-E que tempos são esses, ó poeta?
Aedo:
- A era do mercado está a dar as últimas. Começa a instalar-se o caos. A bolsa vai arder, os bancos serão pilhados, o dinheiro perderá o valor, todos os impérios vão cair. Poetas-profetas percorrerão as cidades a cantar o caos e o renascimento da humanidade perante gentes desesperadas. Virá então Dionisos entre as bacantes, subirá ao palco, cantará a canção. Aqueles que o seguirem serão criadores, espíritos livres e terão o Céu na Terra: uma vida de prazeres e delícias, nunca mais a vidinha previsível feita de tédio e rotina que vós levais.