sábado, 27 de setembro de 2008
O ANARCA PÓS-MODERNO
O ANARCA PÓS-MODERNO
O Anarquista Pós-Moderno convocou pela Internet uma reunião de anarquistas. O ajuntamento ocorreu no passado dia 21, sob alta vigilância policial, num barracão colocado à disposição por Flamínio Dados Errados - conhecido elemento da Organização dos Anarcas Unidos, radicado em Venda das Pulgas. A agitação era evidente, disfarçada, aqui e acolá, com cumprimentos enrugados e desabafos lastimosos. Tomou a palavra Florentino Riço Concórdia, de Bagaceira, Calheta, num discurso empolgado e empolgante que teve o mérito de não só quebrar o gelo como também de atear o fogueiro das massas. Bufando ódios, cuspindo bílis sobre a ordem vigente, avivando a memória dos mais esquecidos sobre saques, vilipêndios, vitupérios, atentados contra a liberdade individual, Florentino Riço Concórdia rematou a sua intervenção citando os mestres Bakunin e Kropotkin, segundo os quais o anarquismo não vingaria sem o empenho de todos numa causa que fosse de todos. Para tal, o eriçado Florentino Riço Concórdia sugeriu que se lançassem os camaradas numa investida o mais violenta possível contra os poderes instalados, a qual deveria passar por acções tão comprometedoras quanto indisfarçáveis tais como: atear fogo a igrejas e catedrais, pendurar os padres pelas próprias tripas (ideia decalcada do padre Jean Meslier), atentados à bomba contra bancos, seguradoras e afins, disparos certeiros na direcção de tudo o que fosse político instalado e subserviente. Nuno Brigeiro e Luís Pandarrinha, respectivamente de Crucifixo e Endiabrada, concordaram imediatamente, mas apenas avançariam se Alguém tomasse a iniciativa. Alguém solicitou a palavra para lembrar que era dotado de uma memória feliz. Outros podiam ter esquecido, mas ele ainda trazia bem vivas as críticas que lhe haviam sido arremessadas, na última convenção dos Anarcas Unidos, quando propusera exactamente as mesmas medidas com o aval de Ninguém, seu camarada de sempre. Não estava, por isso, em condições de negar ou sequer minorar as propostas vindas a lume, pois ele mesmo as havia proposto anteriormente. No entanto, outros teriam de dar agora o primeiro passo na direcção do abismo. Ao falar em outros, Alguém e Ninguém olharam de viés os camaradas Buzaglo Sargaço e Estther Caturna. Estther, ex-companheira de Arquimedes Catre e de Alzino Zaguzy, fora recentemente promovida a presidenta da Associação Unida de Mulheres Anarcas Separadas. Coube-lhe a palavra, a qual podemos resumir nos seguintes termos: as mulheres anarcas estão preparadas para a luta, assim os homens anarcas tomem a iniciativa de lutar. Não obstante encontrarem-se todos de acordo quanto a causas comuns e metodologias a adoptar na defesa dessas mesmas causas, ninguém parecia estar disposto a dar aquilo a que na gíria popular se chama o primeiro passo. Mostraram-se todos mais que empenhados no segundo passo, embora o primeiro passo parecesse uma miragem. Eis senão quando Jesus Camelo puxou da palavra e, num rompante algo inusitado, se arrogou no direito de eleger um grupo composto por Nanete Bezerra, Deolina Caxias, Donzília Confusa, Duartina Ratanji, Umbelina Trindade, Peixe Courelas, Florivaldo Prozil, Júlio Trabulo, Pascal Zabumba e Bernardino Biverlo, como sendo aquele que ficaria incumbido de oferecer o primeiro passo à causa anarca. Os elementos do grupo eleito por Jesus Camelo, oriundos todos eles de Catraia do Buraco, entreolharam-se indignados. Pareciam prever naquele gesto impetuoso a arrogância do poder, assim como uma conspiração contra a povoação de onde eram naturais e à qual deviam a maior das indiferenças. No entanto, como diz o povo, tudo pelos nossos, nada contra os nossos. O Grupo Eleito apontou Jesus Camelo como um falso anarca, um biltre, um miserável traidor da liberdade individual, uma mente aburguesada pela ânsia de poder, um arrivista mendicante que procurava por todos os meios ocupar um lugar de destaque que lhe conferisse o estatuto de dispor sobre os outros sem critério nem resposta. Tomados por um ódio que diríamos mais racional que a própria razão, os elementos do Grupo Eleito lançaram-se sobre Jesus Camelo montando-o e crucificando-o em nome de todos os humilhados e ofendidos. Estava dado o primeiro passo.
retirado de http://antologiadoesquecimento.blogspot.com
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