segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

UM POETA A MIJAR


O poema que inaugura o livro "Um Poeta a Mijar" de A. Pedro Ribeiro, "Futebol-Dada", é exemplar no modo como afirma o nervo mais socialmente consciente do poeta, aquele que recusa o divórcio entre o poeta e o mundo. O verso de abertura é todo um programa: "o futebol dá de comer a 10 milhões de portugueses". Só a economia e a síntese poética permitem (ou, se quisermos, o uso poético da linguagem) diagnósticos tão breves e certeiros. Revela-nos este poema todo o absurdo das sociedades modernas ocidentais e do vazio em que se transformou o nosso quotidiano. A inversão torrencial de sujeitos e complementos e a declinação dos verbos em cascata- nomeadamente "comer"- parece reduzir os portugueses, aqui entidade colectiva, indiferenciada e indiferente, a uma bola de "pinball" em permanente ricochete entre o futebol, a televisão, o euromilhões, o domingo e o Cavaco que, cito, "seduziu os portgueses e aderiu ao dadaísmo. Dir-se-ia que Portugal inteiro aderiu ao dadaísmo, que é um país dada- ou gagá. Este poema circular e autofágico, que faz a ligação aos poemas mais "politizados" de A. Pedro Ribeiro, dá-nos o retrato de um povo que, se fosse um peixe, seria não o proverbial bacalhau, ou o cherne de O' Neill, mas sim uma pescada: melhor, uma "pescadinha" de rabo-na-boca.

Rui Lage

Sem comentários: