quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

AOS MEUS GRANDES AMIGOS

UM COPO COM O JAIME LOUSA António Pedro Ribeiro Conheci o Jaime Lousa em Braga, no final dos anos 80, num café das Enguardas, era ele jornalista num jornal da cidade já extinto, depois de ter passado pelo "Primeiro de Janeiro" e por outras redacções, além de várias experiências literárias, teatrais e cinematográficas. Teria eu 21, 22, 23 anos e tinha a mania que era poeta e cantava numa banda chamada "Ébrios", em homenagem a Baudelaire e ao Jim Morrison, que viria a dar o berro como, de resto, outros projectos artísticos e políticos em que me envolvi. Quando conheci o Jaime disse-lhe que os bigodes dele faziam lembrar os de Nietzsche e ele respondeu que não era por acaso, apesar de sempre se ter dito marxista. Depois pediu-me emprestado o jornal "Combate" que eu trazia, fruto da minha militância no PSR. Então mostei-lhe alguns poemas meus e ele disse-me simplesmente que tinham palavras a mais mas que teria de ser eu a encontrar o caminho. O Jaime ensinou-me a olhar para o Céu, para cima, para lá das aparências da caverna, e até me convidou a entrar num filme surrealista que nunca se concretizou. Dias depois, a 6 de Setembro de 1990, as rádios de Braga noticiaram que eu, ou o Che ressuscitado, tinha mandado fechar ou ocupar o hipermercado "Feira Nova" num acção anti-consumista. Nesse dia, as beatas fugiam de mim na rua e os velhos faziam-me continência na Avenida Central. Delírios? Alucinações? Iluminações? Mas essa é apenas uma estória. Depois o Jaime perdeu o emprego, começou a viver em casa de amigos, por dias na minha. O álcool tornou-se a saída e o medíocres começaram a rejeitá-lo, como fizeram a Luiz Pacheco, a Sebastião Alba (igualmente morto na miséria em Braga) a Henry Miller, à raça dos decadentes malditos. Depois passou a dormir na rua no Verão, no Inverno, ao frio, no Inferno. Morreu há dias, em Dezembro. Tudo quanto sinto agora é raiva. Raiva das caridadezinhas de Natal, das cadelinhas do Pai Natal, da treta hipócrita do Sócrates, do Mendes e da sociedade de consumo, da merda que as Câmaras fazem, das OPAS do Belmiro e do caramelo, dos imbecis que nunca leram um livro, nem querem saber ler, que passam 24 horas por dia a comer futebol. É tão assassino aquele que mata como aquele que condena alguém a morrer de fome. Tudo quanto posso dizer é que hoje, meu querido amigo Jaime, vou beber um copo à tua saúde. Ou talvez mais. Que se lixem os moralistas de esquerda e de direita!

3 comentários:

Rui Manuel Amaral disse...

Lamento, Ribeiro.

barboza disse...

Um gajo se andar na linha tem mais hipóteses de morrer de uma morte mais lenta e gradual mas de certa forma mais morta.

A. Pedro Ribeiro disse...

obrigado, amigos.